Imagine você que elas já estavam todas lá, num alvoroço danado. A mamãe, a tia Sofia e a Maria, enrolando os brigadeiros, batendo a massa do bolo, conversando, rindo e fofocando. Mas quando João abriu a porta e entrou de repente, todo sorridente, o alvoroço foi-se embora e fez-se um silêncio danado. Cara de espanto para tudo quanto é lado.
– Nossa João! O que foi que aconteceu?
– Caiu num balde de tinta?
– Porquê? Perguntou João assustado.
– Você está azul, azulzinho. Mais parece um passarinho.
A mamãe, toda nervosa, recomeçou a falação:
– Já para o banho! Vou esfregar até a sua cor voltar, porque azul é que você não pode ficar. Hoje é dia do seu aniversário! E lá foi o menino para a tina com sabão. Esfrega daqui, esfrega dali. Passa a bucha, a escovinha, o esfregão, pano de chão. Até aquele multiuso, olha só, passaram no pobre João. E nada! O menino continuava azulzinho, igualzinho a um passarinho.
– E agora? O que é que eu vou dizer para os convidados?
Mamãe estava mesmo preocupada, com aquela cara de mãe que vê o boletim cheio de notas vermelhas. Cara feia, de dor de barriga ou de noite mal dormida.
– O melhor é ir ao médico. Disse tia Sofia.
– Quem sabe ao dentista? Ao analista? Ao massagista? Talvez falar com a vizinha, que tem receita para tudo. Resfriado, lumbago, hepatite, amidalite...
Nossa que confusão! Todas falavam ao mesmo tempo dando sua opinião... Doença, veneno, feitiço, maldição.
Quando as coisas se acalmaram, novas caras de espanto! João, de azul passou para branco e, assustado, ficou sentado, amuado, fazendo cara de quem está enjoado, com o estômago muito embrulhado.
– Aí meu Deus! Isto é coisa do diabo. Gritou a Maria.
– É melhor levar o menino para ver o padre Bento. Sugeriu tia Sofia.
– Que padre que nada. Vou chamar o médico, isto sim. E vai ser agora mesmo! O João sabia que sempre que podia a mamãe resolvia.
O doutor Bastião parecia engraçado. Abriu aquela malinha que os médicos usam quando vão ver seus pacientes em casa e começou a investigação. Olhou o nariz, a boca, a unha. O dedão, a orelha e a sobrancelha. Cutucou, apertou e apalpou, mas nada encontrou. E de tanta irritação, chateação, apalpação e apertão, o João acabou roxo, quase do mesmo tom daquele batom que a tia Sofia usou no dia das bruxas. Se saísse assim de casa, espantaria todo mundo. Que desgosto profundo!
– É melhor fazer repouso. Nada de brincadeiras! Disse o doutor em tom ameaçador.
E lá foi o João para a cama, triste, desanimado, totalmente acinzentado. Só pensando na prometida super festa, com muitas bolas coloridas, doces, brincadeiras, música, alegria e fantasia. Deitado e arrasado, se tornou preto carvão. Era a mistura da raiva com medo e frustração. Será que ninguém percebia que o que acontecia era que o João mostrava por fora o que por dentro sentia. Era a pele que dizia o que ele não conseguia. Sentimentos revirados e muito bem abafados.
João deitou chorando e, aos poucos, um sono profundo foi chegando. Porque tristeza também cansa, deixa a gente mole, sem vontade de fazer nada, nem de comer rabanada. No sonho daquele dia, João fugia, pulava a janela, caminhava para ao circo e se tornava atração: AS MIL CORES DE JOÃO! Dizia um belo cartaz, bem em frente ao grande portão. As malabaristas, os palhaços, a platéia e outros artistas. Todos riam do João e o menino acordou suado, com uma baita dor no coração.
Sem pensar mais de uma vez, saiu do quarto escondidinho, bem de mansinho, para pegar a bicicleta e correr em linha reta. Na sua imaginação, o circo podia ser mesmo a melhor opção. Ao longo do caminho, em vez do alvoroço e da gritaria de todos os dias, João foi se dando conta de que a casa estava era vazia. Havia um silêncio danado, meio mal assombrado. Afinal, onde se meteram a mamãe, a tia Sofia e a Maria?
Quando passou pelo espelho, olhou e viu espantado que agora ficava amarelado. Foi então que a preocupação tomou conta do João. Assim, sozinho e horrorizado, ele ouviu um zum-zum-zum esquisito, parecendo a mistura de risada com apito.
- Que barulho será este? indagou curioso.
E lá foi o João espiar, procurar. Porque além de colorido, ele era curioso e estava muito assustado com aquela falta de gente e o silêncio todo. Queria um abraço bem quente, para perder o novo tom e voltar a ser o mesmo de sempre. Foi então que ele viu, lá no fundo da garagem, a mamãe, a tia Sofia e a Maria cercadas pela garotada da rua e pelos amigos do colégio. Viu também o cachorro Tião, a vizinha Margarida e as bolas coloridas. O zum-zum-zum era de festa e João ficou vermelho. Vermelhinho de emoção.
Assim o dia do aniversário se tornou um dia muito especial. Especial como o João, que não foi parar no circo e não virou atração, mas acabou conhecido em toda a região como o menino colorido feito bola de sabão. Só que agora já se sabe: se algo está errado e ele fica amuado, basta um abraço apertado para um bom resultado.