A usina de açúcar ficava bem ao norte do estado do Rio de Janeiro e havia sido fundada em 1877 pelo Barão de Barcelos. Era uma das mais antigas usinas de açúcar do Brasil e as más línguas diziam que o imperador D. Pedro II em pessoa havia assistido a sua inauguração. Era lá na usina que o marido da irmã mais velha do engenheiro magrinho trabalhava e era lá também que as crianças da casa das janelas azuis passavam alguns dias das férias, aproveitando os ares do campo e se aventurando em terras diferentes e estranhas.
A casa da irmã e do cunhado do engenheiro magrinho pertencia à usina e ficava quase em frente ao seu grande portão de ferro, do outro lado da rua de terra batida. Como todas as casas da região, era uma casa de fazenda e tinha tudo que uma casa de fazenda precisa ter: um piso de tábuas de madeira que rangem quando alguém passa, grandes e pesadas janelas difíceis de abrir e fechar, móveis antigos e rústicos ligeiramente assustadores, uma chaminé sempre fumaçando e um impressionante fogão a lenha, onde se cozinhavam as melhores delícias do mundo.
No quintal dos fundos, com seu chão de terra batida, as aves passavam o dia piando e ciscando para lá e para cá. O lugar abrigava também os muitos cães que vinham de todas as partes e teimavam em ficar por perto a espera dos restos de comida, disputados e abocanhados pelos mais espertos com uma rapidez incrível. Um pouco mais adiante era possível ver o pomar com suas bananeiras e coqueiros carregados, além de vários outros pés de frutas como caqui, laranja, limão e goiaba, sempre convidativos para quem está com fome, mesmo que seja uma fome pequena. Não sei se você sabe, mas algumas crianças adoram subir nos pés de frutas, para comê-las ali mesmo, sentadas nos galhos mais altos.
Você já deve ter percebido que na casa da usina a vida começava ao amanhecer e não era possível dormir até tarde, o que nos primeiros dias deixava todo mundo maluco. Mas como também não havia nada para fazer quando a noite caía, o remédio era ir para a cama cedo. Desse modo, aos poucos, todos se acostumavam logo com a nova rotina e passavam a acordar com as galinhas. Acordar com as galinhas pode parecer chato, mas não é tão ruim assim. A mistura dos cheiros do café, do bolo de fubá e do pão quentinho é maravilhosa. Como dizia alguém que não me lembro mais, tudo na vida depende de apenas nós mesmos. Se queremos que seja bom, então é bom.
Nesse caso, o melhor de acordar muito cedo era poder pular a janela e subir na charrete do velho leiteiro para ajudá-lo a distribuir as garrafinhas de vidro para cada uma das casas da vila. Deixar as cheias e coletar as vazias, a regra era essa. Quem não deixava uma garrafinha vazia para a troca, também não ganhava a garrafinha cheia com o leite fresquinho recém tirado da vaca. Os moradores da vila, com suas casas antigas e ruas maltratadas, sabiam disso e as garrafas estavam sempre por ali, nas portas ou portões, onde as crianças brincavam com suas bonecas de pano, bolinhas de gude, bicicletas e triciclos ou rolando bolas meio murchas na direção dos chinelos que marcavam as traves dos gols.
Um pouco mais ao longe, a paisagem era marcada pelas plantações de cana com seus talos compridos e balançantes, sempre penteados pelo vento forte. Para chegar até lá, os únicos meios de transporte disponíveis eram as carroças e charretes, que se arrastavam puxadas por bois ou mulas muito teimosas, como todas as mulas que eu conheço. Nos dias de passeio de charrete, as crianças da casa das janelas azuis aproveitavam a companhia de um velho amigo da casa da usina, um pouco mais velho e, por isso, da confiança dos tios. Muito divertido e esperto, aquele amigo sabia tudo que era preciso saber para viver bem em uma fazenda.
Ao passar pelas plantações, ele fazia a mula parar, sacava o facão e cortava e descascava a cana, deixando que todos se lambuzassem até ter dor de barriga. Caso você ainda não tenha chupado cana, aproveito para avisar: chupar cana é uma arte. Você tem de mastigar as partes molinhas que ficam entre os nós mais duros, sempre com muito cuidado para não machucar os dentes ou as gengivas. Caso contrário, o dentista será seu destino certo.
Na volta do passeio, a charrete margeava um trecho da linha férrea que também pertencia à usina. A gente ladeava os trilhos que corriam ao longo do rio Paraíba do Sul. Neste percurso, ouvia-se bem o apito agudo das locomotivas e o barulho assustador dos vagões que transitavam carregando lenha e cana nos dois sentidos. É impressionante como alguns odores, sons e sabores podem despertar lembranças antigas. Os dias passados na casa da usina eram realmente deliciosos.