A família da mãe do engenheiro magrinho era uma família de artistas. Não exatamente artistas por profissão, mas artistas por opção ou melhor, por vocação. A começar por seu pai, pernambucano que assistiu a virada do século XIX para o século XX. Gerente da Cia. Telephonica de sua cidade e comerciante de louças, nas horas vagas, o avô do engenheiro adorava pintar. Aprendeu sozinho, amadureceu com a prática e fez tantos quadros que, pouco a pouco, todas as casas da família exibiam pelo menos uma de suas belas paisagens. E olha que a família era grande, porque o vovô pintor foi casado duas vezes e teve inúmeros filhos. Acho incrível que, apesar da qualidade, suas obras nunca tenham sido reconhecidas pelo público, mas acredito que a explicação mais provável é que talvez não fosse esse o seu interesse.
Apesar disso, a semente plantada pelo vovô pintor vingou e cresceu forte, fazendo com que a tendência para as artes plásticas se fizesse presente em todas as gerações seguintes, inclusive na mãe do engenheiro e em sua irmã mais velha. A mãe, além de pintora, também era poetiza e excelente cozinheira. Não sei se você sabe, mas cozinhar bem também é uma arte. Já a irmã mais velha era pintora, pesquisadora e escritora. Tinha adoração por folclore e cultura popular. Passou uma vida inteira pesquisando sobre a formação da população do estado do Rio, sobre suas brincadeiras, seus costumes, suas danças. Acabou reconhecida pelo trabalho pioneiro, do qual hoje restam livros, alguns ainda não editados, entrevistas e artigos em revistas especializadas.
Eu sei que muitos outros tios e primos desse ramo da família seguiram esse mesmo caminho e por isso eu tenho um orgulho danado. Conto apenas sobre as duas porque foi com elas que eu aprendi a gostar de pintar e escrever, o que não quer dizer que aprendi a pintar e escrever de verdade. Ficava observando abobalhada o manejo dos pincéis, tintas, telas, papéis e solventes. Gostava tanto de vê-las trabalhando, que minha mãe resolveu me colocar numa escolinha de artes. Como não podia deixar de ser, minhas primeiras tentativas tiveram como tema a casa das janelas azuis e a Praia da Vila.
Os elogios foram demasiados. Na minha pequenez, acabei acreditando que também tinha herdado o talento da família e me enveredei por um caminho sem volta, cheio de pedras e espinhos. Não é fácil dedicar-se ao estudo das artes, ou melhor, das manifestações humanas, em um país onde a grande maioria da população não é atendida em suas necessidades básicas. A fome e a sede se sobrepõem a tudo. As artes, a preservação da memória ou da cultura e o estudo da formação da nossa sociedade só encontrarão solo fértil em tempos de fartura e de bonança. Nos dias atuais, mais justo seria se nos dedicássemos apenas uns aos outros. Estendendo a mão e acolhendo, dando de comer e beber, ninando, acariciando, protegendo. Só assim poderemos, realmente, fazer a diferença.