terça-feira, 5 de junho de 2018

Dias de Festa

O povo que morava na rua Timbuíba era muito festeiro. Acho que esse negócio de gostar de festa veio lá das montanhas de Minas Gerais, junto com o vô do bigode. Só pode ser, porque ele era caladão, mas adorava ver a casa cheia de gente, especialmente se fosse para comemorar alguma data especial. Casamentos, aniversários, bodas e Natais. Nessas ocasiões, a casa do vô do bigode recebia as filhas, o filho, genros e nora, netos, namorados dos netos e depois novos maridos, esposas e bisnetos. Foi assim que o vô do bigode formou uma grande família da qual ele fazia questão de estar por perto.

O vô do bigode sempre teve bigode, é claro. Não me lembro dele sem aquele chumaço bem aparado em forma retangular, bem grisalho. Era a sua marca registrada. Acho que ele quis formar uma família grande porque estava acostumado. Cresceu no meio da fuzarca de doze irmãos. Sabe-se lá o que é isto? Uma única mulher para treze filhos? Coitada, deve ter sido uma loucura. Sem falar que o pai do vô do bigode morreu cedo e mãe do vô do bigode teve de criar todos os filhos sozinha. Sobre isso, a dona da casa das janelas azuis sempre contava que os irmãos mais velhos cuidavam dos mais novos. E que a vara de marmelo cuidava de todo o resto. Naqueles tempos, vara de marmelo podia. Servia para dar umas lambadas nos arruaceiros sem machucar as mãos. Mas os tempos mudaram, não é mesmo?


Bem, voltando para as festas da rua Timbuíba, a família que vinha de fora chegava por lá sempre muito animada, um ou dois dias antes para ter tempo de matar as saudades. Isso transformava as festas em eventos de três dias, porque a casa da rua Timbuíba hospedava muita gente e casa cheia sempre parece estar em festa. Festas são boas, mas as de três dias são incríveis e para as crianças então, nem se fala. Ficar na mesma casa e brincar sem ter hora para nada, com os primos, é um prêmio. Principalmente se os primos forem quase da mesma idade como acontecia com os garotos que tomavam todos os aposentos com brincadeiras que envolviam correria e confusão. Eles só não estragavam as festas porque a maioria dos adultos já estava acostumada e não lhes dava muita atenção. Só lembravam da existência dos pirralhos quando acontecia algum acidente grave, como quando alguém se espetava na grade do portão, rolava a escada ou caia do muro.

É sério! Uma vez um deles ficou espetado na grade com pontas de lança do portão. Espetado como uma salsicha que é pega pelo garfo bem no meio. Braços para um lado, pernas para o outro. Um desespero só. O pior da história, ou o melhor, é que a lança era grossa e a ponta bem tosca. Passou pelas costelas, mas não conseguiu penetrar no pulmão. Chegou bem pertinho e ainda levou junto a camisa pólo branca para dentro do buraco. Deve ter sido uma dor danada, mas ele era valente. Eu teria desmaiado e , graças aos céus, não me lembro de ter visto o resgate. Lembro apenas que ele foi direto para o hospital e voltou consertado. Lembro também que a casa ficou muda: as crianças se recolheram com aquela cara de quem comeu e não gostou.

Todo mundo sabe que ficar quietinho numa hora dessas é o melhor a se fazer, porque em toda família tem sempre pelo menos um adulto que é um pouco mais nervoso e, portanto, um pouco mais temido, especialmente depois de um estresse. Na rua Timbuíba, esse adulto era a mãe da dona da casa das janelas azuis ou simplesmente a Vó. A Vó era muito bonita e quase o mesmo tanto de beleza, ela tinha de braveza. Queria controlar a bagunça e a gritaria. Ela dizia que muita confusão a deixava atordoada. Que eu saiba, confusão serve para isso mesmo, deixar a gente confusa. A Vó, além de ser uma dona de casa à moda antiga, ainda tinha superpoderes: sempre sabia quando alguma coisa estava errada. Sua personalidade forte contrastava com a do vô do bigode, que gostava mesmo era de ficar sentado na cadeira da varanda com a perna pra cima, lendo o jornal. 

A batuta da Vó fazia com que todos os outros mortais executassem suas tarefas normais e também as tarefas necessárias para que as festas fossem perfeitas. Limpeza, arrumação, flores, aperitivos, primeiro prato, segundo prato, terceiro prato e várias sobremesas. Uma fartura só e o bolo de nozes mais gostoso do planeta, feito pela Boió é claro. Tudo organizado e bonito. Para completar e combinar, a gente da casa parava tudo que estava fazendo para ficar bonita também. Dava um trabalho danado, mas não tinha escapatória. Por isso, na hora do vamos ver não havia como evitar as brigas pelo território do banheiro. O mais estranho, é que na casa da rua Timbuíba até as toalhas de banho, com tamanhos, cores e desenhos diferentes, eram perfeitas. Toalhas reunidas durante uma vida inteira, velhas, já sem parelhas, mas perfeitas para reduzir a possibilidade de trocas e discussões. Assim, depois do banho, do perfume, da roupa nova e dos cabelos escovados até as fotos ficavam perfeita, tipo foto de família real.

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