terça-feira, 5 de junho de 2018

Na chácara

O que é mesmo uma chácara? Difícil de responder, ainda mais se você ainda é pequeno e não tem um vocabulário razoável. De acordo com os milhares de dicionários da língua portuguesa que existem por aí, chácara e sítio são a mesma coisa e ambos podem significar "local; lugar ocupado por um objeto; chão descoberto; terreno próprio para qualquer construção; localidade; povoação; aldeia; lugar assinalado por um acontecimento notável; pequena lavoura; quinta; morada rural; campo; roça ou pedaço de terra cedido a lavradores". Que loucura a língua portuguesa não é? Uma variedade enorme de palavras e termos que querem dizer a mesma coisa ou coisas diferentes, tudo junto, misturado e à nossa escolha.

Pois então, neste sítio ou chácara da história de hoje havia uma grande fábrica de condutores, fios e cabos elétricos e umas três casas lindas que pertenciam à família dos seus donos: primos, filhos de primos e netos de primos da Vó e do vô do bigode. A fábrica e as casas não ficavam muito longe da rua Timbuíba, mas, para a gente pequena que acha qualquer viagem de carro que dure mais de 10 minutos é uma tortura, pareciam bem distante. Apesar disso, quando as crianças da casa das janelas azuis passavam uns dias na casa do Vó e do vô do bigode, sempre convenciam os adultos a levá-los até lá, onde os ares de casa de campo faziam tanto o percurso de carro como o fato de que ainda estavam naquela cidade enorme serem imediatamente esquecidos.

Era uma delícia ter todo aquele espaço para brincar e correr. Jardim, árvores e uma casa de bonecas de alvenaria, com porta, janela, telhado vermelho e, vejam só, cozinha, pia, mesinha e cadeirinhas. Tudo do tamanho certo para gente pequena. As meninas adoravam! Já os meninos, não saiam dos carros com motor de verdade que circulavam pelas ruas do lugar como se estivessem num autódromo. Além dos brinquedos e brincadeiras, muitos banhos de piscina refrescavam a garotada e o melhor de tudo: lá todos podiam comer bife com batata frita em qualquer refeição. Vamos combinar? Comer bife com batata frita faz de qualquer um o mais feliz dos seres.
Apesar do espaço verde, da batata frita e dos brinquedos incríveis terem deixado ótimas lembranças, foi uma pegadinha da natureza que marcou a memória das crianças da casa das janelas azuis quando se fala da chácara: o poder do DNA. Como você deve saber, podemos reconhecer nos filhos o jeito, as vozes e a aparência dos pais, não é mesmo? Sempre é possível dizer:
– Nossa, como você parece a sua mãe.
Ou então:
– Puxa, você tem os olhos do seu pai.

Essas semelhanças tem relação com o DNA, uma questão de genética que sempre cai nas provas do Enem e que eu, por já ter passado um pouquinho da idade, não sei explicar muito bem. Só sei dizer que nas pessoas da Chácara o DNA deve ser muito poderoso. A parecença entre os pais e os filhos era e ainda é impressionante. Os pequenos eram iguais aos pais, só que mais novos e menores, é claro. Pode parecer normal porque, geralmente, isso acontece. Mas para os forasteiros da casa de janelas azuis, essa semelhança era especial, já que naquela família ninguém se parecia. Nem mãe com filha, nem pai com filho, ou vice e versa.

Na verdade, aquela família parecia ter sido formada ao acaso e isso, às vezes, se tornava um problema. Para muitos, olhos azuis por exemplo, eram motivo de estranhamento. Nem pai nem mãe tinham os olhos dessa cor. Alguns diziam que vinham dos avós, o que sempre parecia esquisito porque era como se os olhos pulassem uma geração inteirinha. Além disso, o outro pequeno tinha olhos castanhos, e bem escuros. Os tons de pele também variavam. Se todos colocassem as mãos juntinhas, formava-se uma escala de quatro tons diferentes. E os cabelos então? Nem se fala. Pretos, castanhos e loiros. Uma variedade difícil de entender e que chegou a causar algum sofrimento e confusão.
Ser diferente às vezes pode ser ruim, mas também pode ser bom. A gente só precisa descobrir que precisamos ser iguais aos nossos pais apenas se formos iguais na bondade, na honestidade, na coragem e no caráter. De resto, nada importa. Como dizia um dos pequenos: eu sou uma gente e você é outra gente. Somos todos diferentes e devemos nos aceitar e respeitar assim mesmo. Afinal, são as diferenças que nos fazem tão interessantes.

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