terça-feira, 5 de junho de 2018

Ser livre é uma escolha

Crescer não é fácil para ninguém e também não foi fácil para as crianças da casa das janelas azuis. Você vai achar que o que vou dizer clichê, ou melhor, bastante óbvio, mas crescer significa assumir responsabilidades, ter de cuidar de si próprio, incluindo os cuidados com a saúde, a alimentação, a cabeça e todas as outras partes do corpo também. Se cai, se machucar, e já for adulto, vai ter de ir ao hospital e pagar os médicos por conta própria. 

É por isso que quase todas as histórias que falam de adolescentes, falam também de revolta, mal-criação, enfrentamentos e coisas assim. É tão difícil para eles, que alguns chegam até a fugir de casa, para depois voltar correndo e já sabendo que viver sem estar rodeado pela família e pelos amigos é realmente muito chato. É dessa parte da vida das crianças da casa das janelas azuis que eu vou falar daqui para frente. Não por que não haja mais histórias da infância. muitas ainda existem e, algum dia, voltaremos lá.

Foi bem no meio da década de 1970 que as crianças começaram a deixar de ser crianças. Uma época em que o mundo vivenciou a derrocada norte-americana no Vietnã, o escândalo político de Watergate, o surgimento do movimento punk e a crise do petróleo. Aqui no Brasil, foram os anos mais repressivos da ditadura militar, porque já se começava a perceber o início de um lento processo de abertura política. Por conta da censura e do regime autoritário, muitas das transformações culturais e comportamentais daqueles anos não foram completamente vivenciadas por aqui. 

Apesar disso, tanto em terras tupiniquins como lá fora, as roupas, as artes e o comportamento jovem mudaram radicalmente. Os anos anteriores haviam influenciado muito o início da década, tanto no visual, como no pensamento hippie e nas artes psicodélicas. Ponto de partida para, alguns anos depois, parte da juventude aderir ao modo de ser soturno e agressivo do punk e a outra parte descambar para o estilo colorido e descompromissado da discoteca e da música pop. Ser livre passou a ser uma questão de escolha e você já deve ter imaginado que os marmanjos da casa das janelas azuis descambaram para as discotecas, de patins e de meias coloridas, não é?
Foram anos felizes, de bonança e prosperidade, quando o trabalho duro ainda era a melhor maneira de subir na carreira e quando era possível caminhar pelas ruas sem ter de prestar atenção ao que acontecia ao redor. Isso porque os adolescentes da casa das janelas azuis foram blindados, assim com quase todas as crianças e os adolescentes conhecidos. Questões políticas, revoltas, sequestros, prisões, tortura e outros assuntos do gênero só faziam parte da conversa alheia. O que de certa maneira era muito bom.
Ir ao colégio, estudar o mínimo para passar sem ter de fazer recuperação, paquerar muito, ir às festas de garagem, dançar juntinho com o coração batendo forte, ficar horas namorando pelo telefone e viajar para a casa dos muitos familiares espalhados pelo Brasil afora eram os únicos afazeres que interessavam.

É nessa época que a gente começa a viajar. Primeiro com a família, a nossa e a dos amigos, depois em bando para acampamentos. Um pouco mais tarde e você já está se mandando para outros estados e, por fim, você faz sua primeira viagem internacional sozinho, nem que seja para a Argentina. Para a gente da casa das janelas azuis, Recife e São João eram as melhores paragens. Recife por suas praias, pelo sol, pela vida saudável do litoral, pelos frutos do mar, pelo carnaval de Olinda, pelos bailes de clube. São tantas as delícias e histórias daquela terra que vai dar pano para manga.

São João então, nem se fala. Não sei se você sabe, mas cidades pequenas, principalmente as do interior de Minas Gerais, são verdadeiros oásis para quem está acostumado às limitações que a segurança na cidade grande impõe. Quando a gente chega naqueles morros e encontra primos e amigos queridos, a cidade pequena fica melhor ainda. E como lá tudo é perto e tudo é longe ao mesmo tempo, o tremendo vai-e-vem agita a vida de todo mundo que vem de fora. E aí, meu amigo, é só escapar da matilha e se aventurar. Estar em grupo passa a ser seu melhor álibi e a melhor desculpa pra qualquer imprevisto, ever

Mas isso a gente vai ver em outras histórias. 

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